Nós atingimos o pior patamar dos indicadores de qualidade no biênio 2000 – pelas provas internacionais - e 2001 – pelas nacionais. Foi o pior momento da educação brasileira e de lá para cá, sobretudo a partir de 2005, essa curva começa a reagir a ponto de chamar a atenção da comunidade internacional. Mas, depois disso, o Brasil foi destaque em praticamente todos os relatórios internacionais relativos à educação. Fomos citados em dois da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e em um do Banco Mundial. Todos deram conta de que alguma coisa muito importante estava acontecendo no Brasil a partir desse período.
[Dirceu] Com a retomada do crescimento no país, mais do que nunca ficou evidente a necessidade de uma juventude educada para fazer frente às demandas do novo ciclo econômico que vivemos. De 2001 a 2010 o país aumentou em 110% seu número de estudantes de ensino superior, batendo em 6,37 milhões. O problema é que, apesar desse crescimento expressivo, o Brasil ainda possui apenas 17,4% de seus jovens de 18 a 24 anos no ensino superior...
[Haddad] Nós estamos operando de forma a permitir que o jovem brasileiro – todos eles – tenham pelo menos uma de duas alternativas: ou a formação profissional de nível médio, ou a formação profissional de nível superior. Nesse contexto o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), lançado este ano, tem um papel chave. Ele é um reflexo da educação técnico-profissional daquilo que, no governo Lula, foi feito na educação superior.

No passado recente, a educação superior contou com vários mecanismos de promoção. A começar pela expansão e a interiorização das universidades públicas federais. Dobramos as vagas de ingresso. Também tivemos a criação dos institutos federais, que oferecem curso superior de tecnologia – aquelas graduações curtas, mas que têm grande impacto nos arranjos produtivos locais. E criamos o Sistema de Universidade Aberta do Brasil (UAB), que hoje tem mais de 600 pólos de operação. Houve, ainda, a criação do Programa Universidade para Todos (ProUNI), que em janeiro, agora, fecha mais de um milhão de bolsas concedidas. E Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), concedido a juros reais negativos, e em até 20 anos para pagar depois de formado, dá a possibilidade de as garantias (aval) serem pagas por um Fundo (Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo –FGEDUC, criado em 2010), que substitui o fiador. O FIES é uma revolução que já está acontecendo, mas que o grande público não teve ainda condição de aferir.
[Dirceu] O MEC vai usar esses mesmos mecanismos na educação de nível médio?
[Haddad] Vários mecanismos de promoção da educação superior nos permitiram até o momento mais do que dobrar as matrículas na educação superior. E tenho a convicção de que nos próximos dez anos vamos dobrá-las de novo. E o que a presidenta Dilma decidiu? Promover esses mesmos mecanismos para a educação profissional para o nível médio. Como? Os mesmos institutos que oferecem cursos superiores de tecnologia, agora, têm vagas reservadas para cursos técnicos de nível médio. Temos também o Sistema Escola Técnica Aberta do Brasil (Sistema e-Tec), que é a educação à distância de nível médio. E o aprofundamento da parceria do Sistema S (com Sesi, Sesc, Senai e Senac).
[Dirceu] Há quem diga que o Sistema S se desvirtuou, que está se privatizando...
[Haddad] Ao contrário. Estamos “republicanizando” o sistema no nosso governo. Estávamos perdendo o caráter público do sistema S. Estamos, agora, subordinando-o à lógica da educação pública. Comprometendo a contribuição cobrada das empresas com a gratuidade. E, agora, estabelecendo um nexo entre o ensino médio e o SENAI/SENAC. Assim, o jovem, além do ensino médio vai ter um 2º turno numa escola do SENAI e do SENAC. Ou seja, terá um ensino médio de tempo integral.
Por outro lado, o financiamento ao estudo vai atingir, também, o ensino médio técnico. Mas há outra medida: o financiamento também será oferecido para as empresas – ou seja, vai ser como uma espécie de Lei Rouanet para a educação profissional. A empresa vai poder tomar dinheiro a 3,4% ao ano - na prática, juros reais negativos - para formar a sua força de trabalho. Ou seja, tudo aquilo que promovemos para educação superior, estamos oferecendo, também, para o médio-profissional, trabalhando nesse guarda-chuva chamado PRONATEC.
[Dirceu] Qual é o papel do ensino médio na visão de educação do governo, hoje?
[Haddad] Eu tenho certeza que se cumpridas as metas do Plano Nacional de Educação 2011/2020 (PNE) – e o serão, com estes mecanismos – será permitido ao jovem brasileiro optar, como em qualquer país desenvolvido, em que momento de sua vida ele quer se profissionalizar. Se ele quer concluir a educação básica com um diploma de técnico, ou se ele quer avançar a nível superior, caso seja vocacionado para isso. O jovem coreano, alemão, francês, americano tem essas duas possibilidades.
A partir do ensino obrigatório de nove anos – que no Brasil passará para 12, com a mudança constitucional que nós promovemos – o jovem vai poder escolher qual a formação que deseja ter. E vai, inclusive, poder se arrepender de sua escolha. Em determinados países, ele não pode (se arrepender). No Brasil, o sistema que está sendo construído vai permitir cruzamentos no futuro que permitam a ele se reposicionar, se este for o caso.
[Dirceu] Essa, aliás, é uma tendência internacional em vários países. Mas, mudando de assunto. Que conselhos o senhor deixa para os seus sucessores?
[Haddad] Educação depende de continuidade. Depende de clareza sobre os propósitos de médio e de longo prazos. Eu entendo que o plano de desenvolvimento da educação do presidente Lula, lançado em 2007, é um marco na história da educação. Até porque conseguimos o apoio formal, por escrito, dos 27 governadores e dos 5.563 prefeitos à época. Hoje nós temos apoio de mais prefeituras. Não há precedente de um plano ter angariado o apoio formal de todos os prefeitos e governadores – independentemente do partido político do dirigente.
Naquele plano nós tínhamos metas de qualidade muito bem estabelecidas. Passamos a fazer um acompanhamento por meio de metas de qualidade fixadas por escola, o que é inédito no mundo. E divulgamos esses resultados de forma a permitir que as famílias acompanhassem a evolução da educação pública neste país. De lá para cá, as metas vêm sendo cumpridas.
[Dirceu] O senhor mencionou que o Brasil tem merecido reconhecimento no exterior. Como ele se deu?
[Haddad] Por exemplo, foi o 3º país que mais avançou no PISA (sigla em inglês do Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o exame internacional de comparação entre países no campo da educação. No ano de 2000, a nossa média foi de 368 pontos; em 2009, 401. Foi uma evolução de 33 pontos.
Só perdemos para Luxemburgo e o Chile. Sendo que a renda percapita de Luxemburgo é altíssima. Ou seja, não dá para fazer essa comparação. Mas o Chile e o Brasil foram destaques por terem avançado mais para se aproximarem das médias dos países desenvolvidos. Enquanto o mundo desenvolvido manteve-se estagnado, o Brasil e o Chile evoluíram.
[Dirceu] Quando chegaremos a um nível razoável na educação brasileira?
[Haddad] Se nós nos mantivermos ao ritmo da década anterior, em mais dez anos nós não vamos ter nenhuma razão para termos preocupações com a questão da educação.
[Dirceu] E como o senhor vê o encaminhamento do Plano Nacional de Educação, o PNE 2011/2020?
[Haddad] A Câmara está prestes a aprová-lo, em março, sem grandes mudanças em relação ao projeto original. O Congresso calibrou melhor o texto do Executivo. Contribuiu para aprimorar as metas e as estratégias. Penso que teremos razões para olharmos para trás e nos orgulharmos do movimento que fizemos na era do conhecimento. Porque o Brasil não se preparou para essa era. Agora, sim, estamos nos preparando para ela.

[Dirceu] Já, a questão do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) nem vamos discutir aqui no blog. Há uma campanha articulada para desacreditá-lo. A “indignação” veiculada pela mídia contra as dificuldades enfrentadas pelo ENEM não se aplica a outros casos. Por exemplo, este mês, aqui em São Paulo, no concurso público da SABESP, quando foi preciso anular o exame para 389 vagas da estatal de saneamento paulista...
[Haddad] Mas eu gostaria, sim, de falar sobre o ENEM. Acho que tanto a Prova Brasil (realizada a cada dois anos, entre estudantes do 5º e do 9º ano do Ensino Fundamental de escolas da rede pública para as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, a fim de monitorar os índices de qualidade da educação) quanto o ENEM – o novo, ampliado para 180 questões, não o velho – ajudam muito as escolas. A escola estava sem referência sobre como organizar o trabalho do dia a dia. Mas, quando o MEC divulga antecipadamente uma matriz de conteúdos, com expectativas de aprendizado no final do Ensino Fundamental 1, no final do Ensino Fundamental 2, e ao final do Ensino Médio, o professor olha para aquela matriz e tem como organizar este trabalho, entende o que o Estado quer.
Eu tenho conversado muito com professores do ensino médio. E todos me disseram que o MEC os ajudou a organizar um plano de trabalho muito mais racional para os três anos do ensino médio. Os vestibulares, ao contrário, atrapalham a organização do currículo do ensino médio. Induzem a escola a sobrepor vários programas de vestibulares. E, aí, o professor fica perdido dentro daquele amontoado de conteúdo memorizável. No ENEM isso não ocorre. Há um conteúdo mais enxuto e ao professor é permitido se aprofundar em um aspecto ou outro e ensinar o aluno a pensar os fenômenos sociais e naturais. O aluno sente a diferença entre os modelos dos vestibulares tradicionais e o ENEM. Ele percebe estar fazendo uma prova mais inteligente, mais instigante, que exige menos memorização e mais reflexão.
[Dirceu] E como o senhor explica tanta resistência ao ENEM e tanta crítica?
[Haddad] Entendo esse movimento contra o ENEM. Ele desmonta uma indústria bilionária, toda ela montada para promover uma espécie de reserva de vagas para quem pode pagar cursinho. E qual é o percentual de brasileiros que pode pagar pelo cursinho?
Vou citar um dado interessantíssimo. A Universidade Federal do Ceará (UFCE) desistiu do vestibular e adotou o ENEM. E seus professores estavam com medo da invasão dos sulistas, sobretudo nos cursos de alta demanda. O que aconteceu com a adoção do ENEM? Aumentou o número de cearenses na universidade federal. Foram checar o que estava acontecendo. E perceberam que os alunos do interior, que antes não tinham a menor condição de ir até a capital fazer as provas de vestibular, com o ENEM, passaram a fazer as provas na sua própria cidade. E entraram na UFCE por mérito. Ou seja, agora, jovens talentos do interior do país passaram a ter uma oportunidade de, por mérito, conquistarem o acesso às universidades e às melhores vagas. Isto está acontecendo no Brasil inteiro.
[Dirceu] Apesar da campanha contra o ENEM, a cada ano nós temos mais universidades aderindo, mais inscrições no ENEM. Isso não é a prova do seu sucesso?
[Haddad] Sim. Vamos ter em torno de 108,5 mil vagas nas federais – só pelo ENEM. Ou seja, praticamente metade do sistema já migrou para o novo modelo. E devemos superar 193 mil vagas no 1º semestre (2012) no PROUNI. Quando nós chegamos ao MEC todas as federais juntas ofereciam 100 mil vagas. Hoje, nós estamos falando em cerca de 300 mil vagas só pelo ENEM. Isso só para o 1º semestre. No 2º serão outras 150 mil vagas (confira tabela abaixo).